segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Tea for one

Algures em S.Miguel, Setembro 2010 | KB
Palavras tremulam à volta da solidão como mariposas impertinentes, atraídas pelo brilho das saudades, o calor da ausência, a inquietação da imaginação...

O convívio lá fora no cantinho da rua arrelia, atiça e provoca através da janela aberta, cada gargalhada uma bofetada na cara, cada conversa um desencontro...

Hoje não há festa.

Consola-se com mais um chá, sossego líquido com sabor a passeio, divagando fora da cidade até à costa norte da ilha a bordo de uma chávena.

A cada um o seu barco, nem que permaneça em terra.

À luz da solidão faz-se malabarismos com suspiros pesados e sopros de ar fresco, abraça-se à escuridão, acaricia-se contra a lembrança do amanhecer...

Sonha-se com mais mar e menos terra, um sítio aonde alegria é uma palavra pintada no porto de chegada, uma ilha-estrela que anda de mãos dadas com o mundo, uma ponta acenando para a América...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Animal

Raiva, cão feio com hálito rançoso que se baba de prazer quando cheira a adrenalina a invadir as veias de uma presa fácil...

Raiva, cão mal desmamado com cheiro a falta de afecto e atenção, ainda cachorro na pele de um mastim criado com rações de mesquinhez...

Raiva, cão calado com olhar desconfiado em busca de consolo na revolta dos outros, destas feridas frescas ainda a sangrar desilusões e dor...

Raiva, cão vadio sem destino nem propósito que engana com o seu ar de desgraçado para roubar a alegria dos outros ao seu redor...

Raiva, cão medroso, rabugento, ranhoso, agarrado à minha garganta com intenção de matar aquilo que nunca poderá ser...

Raiva, cão maldoso, deixaste marcas de dentes na minha dignidade mas afinal soube livrar-me de ti.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Depois tu falas

Eis três palavras capazes de cortar as pernas de qualquer raciocínio, esgotar qualquer réplica e matar qualquer conversa num instante.

Se fossem uma doutrina militar, seriam choque e pavor.

Foram uma ordem para abdicar a voz, entregar o espiríto, subjugar a alma e silenciar o coração.

Três pequenas palavras - cada uma delas uma menina bem comportada enquanto sozinha - juntaram-se numa convenção de bruxas arrogantes e dominadoras.

Montadas nas suas vassouras, aproveitaram-se do vazio temporário dos pensamentos para dar pontapés energéticos naquilo que já era apenas o fantasma da auto-estima.

Embora o apontamento no meu caderno não tivesse data, lembro-me destas três palavras como se fosse ontem.

Ainda sinto as bochechas a arder com vergonha.

As palavras foram engolidas para fazê-las desaparecer.

Ou seja, comeu-se a prova sem discutir sendo que esta cena aconteceu ao alcance do ouvido de outros clientes.

Num restaurante.

"Depois tu falas". Três palavras que souberam a desprezo.

Eu tinha escolhido a frontalidade de mandar-me calar.

Foi o dia de morte do respeito.
 
Sejam curiosos!